Contrato de trabalho multifuncional: economia para a empresa e oportunidade para o funcionário
Por Francine de Faria e Izabela Rücker Curi**
Não é novidade que o modelo clássico de organização do trabalho tem sofrido mudanças significativas nas últimas décadas, em grande parte decorrente dos avanços tecnológicos, que abrem espaço para criação de novos negócios, novos tipos de empresa e novas categorias profissionais. Tais mudanças contribuíram para a atualização da legislação trabalhista brasileira, visando atender às necessidades da organização do trabalho contemporâneo.
Nesse processo de modernização legislativa, dentre as temáticas que vêm sendo debatidas, o trabalho multifuncional tem ganhado destaque. Atualmente, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 5.670/2019, que visa regular o trabalho multifuncional, de modo a possibilitar a contratação de um empregado para exercer múltiplas funções dentro da organização em que trabalha.
Vale lembrar que a Lei dos Portos (12.815/2013), já prevê a possibilidade da multifuncionalidade, entretanto, ela é destinada para a categoria específica dos trabalhadores portuários e dos trabalhadores portuários avulsos. Já o PL tem o objetivo de estender a multifunção para demais segmentações.
O Projeto de Lei nº 5.670/2019 propõe a possibilidade das organizações contratarem empregados para exercício de múltiplas funções, desde que tais atividades guardem relação entre si, assim como as atividades sejam limitadas ao mesmo grau de complexidade da competência principal daquele profissional. Ainda, o PL afasta o entendimento de ocorrência de alteração unilateral do contrato de trabalho, para empregados que passem a ser multifunção, desde que previsto em acordos ou convenções coletivas.
Assim, com a multifuncionalidade, será possível, por exemplo, em uma pequena ou média empresa, um operador de caixa realizar a atividade de empacotador e/ou repositor, sem que isso seja considerado uma violação ao contrato de trabalho. Estas alterações possibilitam o ganho de produtividade, redução de custos com mão de obra, bem como a redução de perdas no processo produtivo.
No Judiciário brasileiro, comumente as lides trabalhistas versam sobre pedidos que envolvem trabalhadores que se ativam em mais de uma função, onde se persegue o reconhecimento do acúmulo de função, com vistas à condenação do empregador ao pagamento de “plus” salarial. Trata-se, portanto, de tema controvertido nos Tribunais do Trabalho, sendo possível encontrar as mais variadas decisões, devido à ausência de previsão legal que trate do acúmulo de função e da obrigatoriedade do pagamento de adicional “plus” salarial.
Embora as decisões ainda sejam controversas, é possível identificar pontos comuns, relevantes e decisivos nas análises judiciais dos casos concretos que envolvam pedidos de acúmulo de função: se ela impõe uma sobrecarga de trabalho, além do ordinariamente praticado, bem como se exige superior capacidade técnica do empregado. Ainda, se as atividades possuem relação entre si e se no quadro de empregados contratados, há quem exerça a função acumulada por outro.
Nas recorrentes lides que discutem acúmulo de função, as principais características analisadas pelo Judiciário são justamente os limites traçados no Projeto de Lei que visa criar e regulamentar a multifuncionalidade. Isso demonstra que no atual modelo de organização do trabalho, cada vez mais se busca a figura do profissional polivalente, o que evidencia a necessidade de criação de legislação que ampare o contrato de trabalho multifuncional, com observância aos pontos sensíveis sinalizados pelo Judiciário.
Embora ausente legislação que trate sobre a multifunção, algumas atividades econômicas, mediante negociação coletiva, têm aderido à modalidade de trabalho multifuncional, isso porque a reforma trabalhista, ocorrida em 2017, passou a privilegiar o negociado sobre o legislado. Ainda, o art. 611-A da CLT admite que temas relacionados com plano de cargos, salários e funções compatíveis com a condição pessoal do empregado possam ser objeto de negociações coletivas.
Portanto, diante da crescente demanda do mercado por empregados polivalentes, algumas segmentações têm encontrado nas negociações coletivas segurança jurídica para implantação da multifuncionalidade, de modo a reduzir custos e otimizar a atividade empresarial.
Sobre as autoras:
Francine de Faria é coordenadora da equipe de Direito do Trabalho no escritório Rücker Curi Advocacia e Consultoria Jurídica. Graduada em Direito pela UNIBRASIL. Pós-graduanda em Direito Material e Processual do Trabalho pela Universidade Positivo.
Izabela Rücker Curi é CEO do escritório Rücker Curi Advocacia, board member pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa IBGC-São Paulo, mediadora ad hoc e consultora da Global Chambers na região Sul. Fundadora da Smart Law, uma startup focada em soluções jurídicas que mesclem inteligência humana e artificial. É mestre em Direito pela PUC-SP e negociadora especializada pela Harvard Law School. Está entre os advogados mais admirados do Brasil, conforme ranking da revista Análise Advocacia 500. Há 25 anos atua como advogada para corporações, é pesquisadora em blockchain e reconhecida pelas práticas de conformidade às normas de proteção de dados.