Calote dos precatórios: o pesadelo a um passo da realidade
Os servidores públicos estão vivendo num eterno pesadelo com a questão dos precatórios. Nos últimos 30 anos foram várias Emendas Constitucionais que mudaram as regras para o pagamento. O vai e vem de normas e regulamentações deixaram muitos e muitos anos de atraso para o recebimento.
Como se não bastasse todas as ECs, o governo federal trouxe mais uma e desta vez com argumentos de que precisa de mais recursos para o pagamento do novo Auxílio Brasil, programa que vai substituir o Bolsa Família. As entidades de classe dos servidores públicos, mesmo com ampla movimentação de seus dirigentes, não conseguiram reter o avanço deste texto.
Os trechos que podem mudar mais uma vez o regramento do pagamento de precatórios ainda não foram aprovados, mas o texto principal passou no Senado.
O Congresso Nacional promulgou a Emenda Constitucional 113, que muda a regra de atualização do teto de gastos da União. O texto é proveniente da PEC 23/2021, a chamada PEC dos Precatórios. Com a promulgação foi na quarta-feira (8/12) dos trechos da PEC considerados consensuais entre o Senado e a Câmara, o teto de gastos passa a ser corrigido pela inflação de janeiro a dezembro. A medida deve disponibilizar R$ 65 bilhões no Orçamento de 2022, que serão usados, em parte, para financiar o programa Auxílio Brasil.
A PEC dos Precatórios, que deu origem à Emenda, tratava, inicialmente, de novas regras para o cálculo e pagamento de precatórios da União, limitando as quantias a serem desembolsadas anualmente — daí o nome com o qual ela circulou no Congresso. No entanto, os trechos referentes às dívidas judiciais não foram promulgados. Como foram alvo de muitas modificações no Senado, esses trechos deverão retornar à Câmara dos Deputados para nova análise, na semana que vem.
Se forem aprovados, a folga fiscal produzida pelas mudanças constitucionais poderá chegar a R$ 108 bilhões, segundo a Consultoria de Orçamento da Câmara.
Seguridade social
Outros temas introduzidos pelo Senado na PEC também foram para a Câmara e não foram promulgados. Entre eles estão a obrigatoriedade de que o espaço fiscal aberto pela nova forma de correção do teto seja usado integralmente para financiar políticas sociais; a transformação do Auxílio Brasil em um programa permanente, através da constitucionalização do direito à renda básica; a criação de uma comissão mista no Congresso para monitorar os precatórios da União; e as regras especiais para pagamento dos precatórios referentes ao antigo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef).
Além da mudança no teto de gastos, o texto promulgado inclui a autorização excepcional para parcelamento das contribuições previdenciárias dos municípios e as possibilidades de acertos judiciais e compensações financeiras entre a União e os entes federativos para o cumprimento de precatórios.
A fórmula atual de atualização do teto de gastos usa a inflação registrada entre julho do ano anterior e junho do ano corrente. A abertura de espaço fiscal com a nova fórmula se explica porque, como a inflação vem crescendo, o índice de dezembro é maior do que o de junho. Com isso, o percentual de correção do teto para o ano seguinte será maior, permitindo que o limite de gastos fique acima do que ficaria no modelo anterior.
PEC na Câmara
A Câmara deve analisar as intervenções do Senado na próxima terça-feira (14). Elas serão incorporadas a uma PEC que já esteja tramitando em estágio avançado, pronta para ir ao Plenário. Assim, não será preciso que o tema volte às comissões, o que prolongaria a tramitação e inviabilizaria a aprovação definitiva ainda neste ano. Os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco, e da Câmara, Arthur Lira, reiteraram em Plenário o compromisso de que a votação acontecerá.
Para Pacheco, a promulgação da parte já resolvida da PEC era “fundamental” para dar lastro imediato ao Auxílio Brasil. Ele comemorou a realização do acordo entre deputados e senadores que permitiu esse passo, com a condição de que a Câmara não desconsidere a participação do Senado.
— São relevantes as inovações ao texto original propostas pelo Senado, que aprimoram o texto que veio da Câmara e merecem ser apreciadas. Os membros deste Congresso Nacional foram muito conscienciosos e souberam dar prioridade ao que interessa ao povo brasileiro, porque é disso que trata esta emenda constitucional, fruto de uma promulgação de parte comum dos textos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal com o senso de urgência que recomenda o combate à fome e à miséria no nosso país.
Arthur Lira disse acreditar que os deputados vão aceitar pelo menos parte das propostas dos senadores e garantiu que o texto vai a votação na próxima semana, mas defendeu a autonomia da Câmara para decidir “sem monitoramento”.
— Já é bem-vinda pela Câmara a ideia de tornar permanente o programa, de fazer uma comissão permanente de avaliação de precatórios. O que nós podemos dizer é que iremos pautar esta PEC na terça-feira e apreciar respeitosamente as alterações que o Senado fez. Controle de mérito nem a Câmara fará ao Senado nem o Senado fará à Câmara.
Protestos
A sessão foi marcada pelos protestos de senadores que alegaram não ter havido clareza na condução da PEC. Segundo as lideranças partidárias que se manifestaram, o Senado trabalhou para aprovar a proposta sem saber que ela seria fatiada. Depois, um novo acordo garantiu a promulgação dos trechos comuns entre as duas Casas, mas não teria sido respeitada a decisão de excluir desse arranjo a abertura imediata de espaço fiscal no Orçamento, para evitar que esses recursos venham a ter outro destino que não o Auxílio Brasil.
A senadora Simone Tebet (MDB-MS) explicou que o texto promulgado gerou uma liberação fiscal de R$ 65 bilhões, que neste momento não terão nenhum tipo de amarra, uma vez que a vinculação do valor a políticas sociais é uma das inovações do Senado que ainda depende da aprovação da Câmara. Para ela, os senadores ficaram na situação de “apostar no placar” da Câmara, e que, se isso estivesse claro desde o começo, a proposta não teria sido aprovada.
— Estou tratando de um acordo que foi feito aqui para que nós déssemos os votos necessários, que o governo não tinha, para poder aceitar avançar nessa questão. Essa PEC não passaria [no Senado]. Depois, na reunião de líderes, nós autorizamos Vossa Excelência a promulgar o que era coincidente, desde que jamais deixasse solta a vinculação à seguridade social. Se tivesse que deixar solta, nós não promulgaríamos nenhum artigo — explicou Simone, dirigindo-se a Rodrigo Pacheco, e referindo-se ao apoio dos partidos de oposição à PEC dos Precatórios a partir do compromisso assumido pelas Presidências do Senado, da Câmara e também pela liderança do governo.
O senador Alvaro Dias (Podemos-PR) afirmou que o fatiamento da PEC foi feito “de forma inusitada”. Para ele, a decisão explicita outras intenções embutidas na votação da PEC.
— O que se pretende não é apenas recursos para pagar o Auxílio Brasil. Vamos ser francos. O que se pretende são bilhões para um gasto aleatório no ano eleitoral, para a prática do populismo. É isso que se deseja, a ponto de apresentarmos aqui o espetáculo da criatividade.
Em momento tenso da sessão, Simone Tebet disse que Pacheco desrespeitou o acordo feito com os líderes do Senado.
— Esse acordo teve uma única condição, feita por mim e assumida por Vossa Excelência em público: de que todos os espaços fiscais criados, em qualquer dispositivo da PEC, iriam estar vinculados ao pagamento da seguridade social. O acordo não foi cumprido. Vossa Excelência lamentavelmente criou um precedente que eu não me lembro de nenhum presidente desta Casa ter feito, de desonrar um compromisso assumido com os líderes.
Pacheco negou que a conversa entre os líderes tivesse esse teor, e disse estranhar o comportamento da senadora.
— Eu não fiz nenhum acordo com Vossa Excelência nesse sentido. Eu não sei qual a intenção de Vossa Excelência com essa polêmica toda. Eu não descumpri acordo algum. Não é possível que a gente fique o tempo inteiro com discussão política, de cunho inclusive eleitoral, para desmoralizar senador desta Casa.
O presidente do Senado também criticou o que chamou de “crise constante de confiança” dos colegas em relação à Câmara.
— Eu fiz um acordo com o presidente Arthur Lira, é um acordo que será cumprido pelo Senado e pela Câmara. Eu confio na Câmara dos Deputados. Tudo quanto nós fizemos de inovação, sem compromisso de mérito, a Câmara dos Deputados apreciará na próxima terça-feira, inclusive essa vinculação que, de fato, nos é muito cara.
O líder do governo, senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), somou-se ao pedido de confiança no acordo político com Arthur Lira.
Os líderes do PT, senador Paulo Rocha (PA), do DEM, senador Marcos Rogério (RR), e do Cidadania, senador Alessandro Vieira (SE), também pediram uma revisão da redação do texto a ser promulgado, com base no acordo que permitiu a votação da matéria e o socorro aos cidadãos de baixa renda.
Pacheco, por fim, decidiu promulgar parte de um artigo que iria inteiramente para a deliberação da Câmara, conforme solicitação da senadora Simone Tebet. No dispositivo que exigia a vinculação do espaço fiscal a gastos sociais, parte do texto amarrava o bônus aberto ainda em 2021 – cerca de R$ 15 bilhões – à compra de vacinas e a outras ações emergenciais contra a pandemia de covid-19. Esse trecho será promulgado, e a Câmara decidirá sobre as regras para uso do espaço fiscal a partir de 2022.
Fonte: Agência Senado/Redação ETC