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STF julga recurso que pode proibir aposentado especial de permanecer ou retornar as suas atividades em área de risco

O advogado especialista em previdência Fernando Gonçalves Dias tenta convencer os ministros do STF a votar contra o recurso, que, segundo ele, pode trazer consequências desastrosas a trabalhadores como médicos e demais agentes de saúde

Está em julgamento no Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal (STF) o recurso extraordinário  n º 791961 – Tema 709 – apresentado pelo INSS contra decisão do TRF 4, que confirmou sentença intentada pela auxiliar de enfermagem, Cacilda Dias Theodoro, para concessão de aposentadoria especial indeferida pelo INSS em outubro de 2006. Permitindo que Cacilda continuasse exercendo sua função de auxiliar de enfermagem em ambiente com risco biológico, a decisão em segunda instância declarou como inconstitucional o parágrafo 8º do artigo 57 da Lei Federal 8.213/91, com a redação dada pela Lei Federal 9.732 de 11 de dezembro de 1998, que proíbe o aposentado especial de permanecer ou retornar as suas atividades em área de risco.

Em 2012, assim que chegou ao STF, os ministros reconheceram o tema como de repercussão geral por envolver centenas de milhares de processo em todo o país. O recurso está sendo julgado até a próxima quinta-feira, 4, no STF, tendo como relator o Ministro Dias Toffoli, que deu parecer favorável ao pleito requerido pelo INSS, reconhecendo a constitucionalidade do artigo 57, parágrafo 8º, da Lei n.º 8.213/91 e, por extensão, a vedação de simultaneidade entre a percepção do benefício da aposentadoria especial e a realização de atividades especiais.

No sentido de convencer os demais ministros do STF a votarem contra o recurso do INSS, o advogado Fernando Gonçalves Dias, responsável pela defesa da auxiliar de enfermagem, apresentou uma sustentação oral para o julgamento virtual no STF, destacando os pontos a favor da manutenção da decisão do TRF 4.

Antes da exposição dos seus argumentos, o advogado especialista em previdência destaca a relevância do assunto na atualidade, em tempos de pandemia de Covid-19, já que decisão do STF pode trazer severas implicações para a área da saúde no Brasil. “Essa norma, se declarada constitucional, dispensará, obrigatoriamente, diversos médicos e outros agentes de saúde. Aposentados em regime especial, não poderão mais continuar trabalhando.”, afirma. 

Justificativas

Dando início às sua justificativas, o advogado salienta que o STF julgou, em 1997, como procedente uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), afirmando que aposentadoria espontânea não  extingue o contrato de trabalho. “A norma, que, ora, está sendo julgada e que pedimos que seja declarada inconstitucional, viola, do nosso ponto de vista, essa decisão soberana do  STF.”, argumenta. Segundo Dias, caso se decida a favor do INSS, os aposentados especiais não terão escolha; ou permanecem com suas aposentadorias e abandonam suas áreas de risco ou voltam para suas áreas de risco e abandonam suas aposentadorias. Violando, assim, a decisão anterior do próprio STF.

Ainda nesse ponto relacionado às sentenças anteriormente tomadas pelo STF contrárias ao pleito do INSS, Dias cita decisão dos ministros referente ao recurso extraordinário tema 888, que discutiu o direito, ou não, de servidores públicos abrangidos pela aposentadoria especial ao abono de permanência. À época, o STF decidiu que o servidor público também é destinatário de aposentadoria especial quando preenche os requisitos para a concessão dessa aposentadoria.

Ao levar isso para o caso do profissional da saúde, por exemplo, um médico, Dias argumenta que, atingido os 25 anos de tempo de serviço, o profissional, segundo essa decisão, pode pleitear e faz jus ao abono de permanência. “Ou seja, os ministros decidiram que o servidor público, preenchidos os requisitos, pode permanecer na área de risco e uma decisão no sentido de constitucionalidade do parágrafo  artigo 57, parágrafo 8º, da Lei n.º 8.213/91 iria de encontro ao que foi decidido no passado.”, diz.

De acordo com o advogado, um parecer desfavorável à decisão do TRF 4, acarretará também implicações à esfera trabalhista, trazendo consequências desastrosas às pessoas que se aposentaram em regime especial. Durante esses mais de 20 anos, desde  a promulgação da Lei Federal 9.732 de 11 de dezembro de 1998, juízes de primeiro e segundo grau vieram declarando a inconstitucionalidade do artigo 57, parágrafo 8º, da Lei n.º 8.213/91, garantindo que as pessoas continuassem trabalhando, mesmo aposentadas em regime especial.

“Uma decisão agora, nesse recurso, poderá afetar essas pessoas e violar até a questão do princípio da segurança jurídica, já que elas estão tranquilamente trabalhando e daqui a uma semana serão pegas de surpresa.”, declara. Conforme Dias, além de terem seus contratos rompidos de uma hora para outra por seus empregadores, esses trabalhadores não farão jus a um direito constitucional, que é a multa dos 40% sobre o saldo do FGTS.

Dias aponta para a inconstitucionalidade formal da norma que está em julgamento pelo STF. O advogado destaca que no artigo 201 da Constituição Federal, a previdência social não tem entre suas finalidades a proteção dos seus segurados, após eles jubilarem. Mas a edição da medida provisória de 1998 teve essa preocupação como um de seus motivadores. Para Dias, quem deve cobrar uma política de melhores condições de ambiente de trabalho é o Estado (em geral) via normas trabalhistas e não a previdência social. “A saída para a redução das aposentadorias especiais está na eliminação ou atenuação dos riscos através do desenvolvimento de tecnologias de proteção coletiva e individual. Assim acabam os problemas do pagamento de aposentadoria precoce  e de adicional por parte do empregador.”, afirma.

Nesse ponto, o advogado enfatiza que a permanência do aposentado na área de risco não transformaria a aposentadoria em um simples privilégio, ao contrário do que alega o procurador do INSS, no recurso extraordinário nº 791961 – Tema 709. Segundo Dias, a aposentadoria especial tem pensamento próprio e suas contribuições são superiores. “A contribuição vertida pelo servidor é sobre a totalidade de seus vencimentos, enquanto a contribuição dos trabalhadores da iniciativa privada é limitada ao teto do regime geral. Existe fonte de custeio, não há violação da questão do equilíbrio atuarial, não se constitui, porém, como uma mera vantagem.”, expressa.

A inconstitucionalidade material da norma também é sublinhada pelo advogado. De acordo com Dias, ela fere o princípio de isonomia. Isto porque se o aposentado especial pedir a troca pela aposentadoria comum ele está apto a seguir trabalhando na área de risco. Já ao aposentado especial, que não fez essa conversão, está vedado o direito de permanecer na área de risco. “São pessoas que estão nas mesmas condições mas têm tratamento distintos.”, explica.

O advogado chama a atenção ainda para o fato da declaração de constitucionalidade da medida provisória de 1998 poder levar a um retrocesso social. Segundo Dias, todos os trabalhadores aposentados em regime especial serão pegos de surpresa tendo que abandonar suas atividades. “As pessoas não terão o direito de trabalhar e ser feliz. Ao chegarem ao ápice de suas carreiras e de suas experiências, precisarão deixar de trabalhar na profissão que amam, simplesmente porque solicitaram uma aposentadoria que imaginava serem suas sem a necessidade de se afastarem de suas atividades em área de risco.”, diz.

Por fim, Dias explica que, se motivação para a medida provisória de 1998 tiver sido a economia financeira para o Estado, – já que faria o aposentado escolher entre seguir trabalhando e receber o benefício – a declaração da inconstitucionalidade da norma e manutenção da decisão recorrida acarretaria, do mesmo modo, uma economia a longo prazo”. Se esses trabalhadores tiverem que abandonar as suas atividades, entrará em jogo a lei da oferta e da procura. Diante de muitas ofertas, será preciso majorar os vencimentos desses profissionais a fim de atraí-los para trabalhar em entes federais estaduais, municipais ou até mesmo na inciativa privada”, explica. Ou seja, conforme o advogado, manter a decisão do TRF 4 é fazer com que o Estado despenda menos dinheiro para o pagamento de profissionais que atuam em áreas de risco, como a auxiliar de enfermagem,  Calcilda Dias Theodoro.

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