Os planos de saúde voltaram a lucrar em 2023, com o registro de R$ 968 milhões de lucro líquido somente no primeiro trimestre do ano, de acordo com a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Apesar do resultado positivo, o reajuste da mensalidade não recuou, ficando na média de 22% nos contratos de algumas operadoras.
A ANS estipulou em 9,63% o reajuste dos planos de saúde individuais e familiares, mas os contratos empresariais e coletivos por adesão tiveram aumentos mais expressivos, já que não se sujeitam ao índice da ANS, ultrapassando os 20%. A consequência para os beneficiários é o maior comprometimento da renda, que avançou apenas 7,4% no primeiro trimestre de 2023, em relação ao mesmo período de 2022.
Segundo a última Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), entre 2017 e 2018, a despesa com planos de saúde já representava 58% dos gastos das famílias brasileiras com serviços de saúde. A POF 2017/2018 mostrou que a despesa anual com planos de saúde desembolsada diretamente pelas famílias no período da pesquisa foi de R$ 78,1 bilhões.
“As grandes empresas do setor retiraram o plano individual ou familiar do mercado visando se beneficiar de maiores reajustes. Em geral, promove-se uma falsa coletivização transformando contratos que deveriam ser familiares em planos empresariais onde está apenas a família. Isso pressiona a classe média, que paga cada vez mais caro para manter um padrão de cuidado à saúde”, pondera o professor da pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar da USP de Ribeirão Preto e advogado especialista em plano de saúde, Elton Fernandes.
Justificativas para os reajustes dos planos de saúde
As operadoras justificam os reajustes do plano de saúde com a necessidade de equilibrar as contas do setor, afetadas pelo aumento da sinistralidade. De acordo com a ANS, mais de 87% das receitas oriundas das mensalidades são consumidas com as despesas assistenciais, e o que sobra não é suficiente para cobrir as demais despesas, como os gastos administrativos e de comercialização.
No entanto, a própria ANS reconheceu que o resultado positivo do primeiro trimestre de 2023 revela indicativos de melhora, “com a receita (ajustada pela inflação do período observado) subindo mais que a despesa assistencial (também ajustada pela inflação)”. No terceiro trimestre de 2022, a sinistralidade havia alcançado o recorde de 90,3%.
O advogado Elton Fernandes afirma que o cálculo do índice de reajuste por sinistralidade em plano de saúde costuma ser bastante obscuro. “Na maioria dos casos, os planos de saúde não conseguem provar como chegaram a tais índices de sinistralidade, o que abre a possibilidade de questionar os reajustes na Justiça”, explica.
No mesmo sentido, a organização não governamental Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) destaca que os reajustes dos planos de saúde, incluindo o índice de 9,6% estipulado pela ANS, extrapolam o limite razoável, uma vez que as operadoras conseguem compensar os prejuízos de outras formas, por exemplo, com a rentabilidade de suas aplicações financeiras.
O resultado positivo do primeiro trimestre de 2023, segundo a ANS, ocorreu justamente devido à remuneração recorde obtida pelos planos de saúde através das aplicações financeiras. “Em termos relativos, esse resultado equivale a aproximadamente 1,45% da receita efetiva de operações de saúde – principal negócio do setor – que foi de R$ 66,8 bilhões no primeiro trimestre de 2023. Ou seja, para cada R$ 100 de receita efetiva de saúde no período, o setor teve no período cerca de R$ 1,45 de lucro ou sobra”, explicou em nota.
Ainda conforme a ANS, as administradoras de benefícios registraram superávit trimestral de R$ 145,5 milhões. Já as operadoras exclusivamente odontológicas, tiveram lucro de R$ 202 milhões, cerca de 20,5% da sua receita efetiva com os planos odontológicos. Por fim, as operadoras médico-hospitalares registraram superávit de R$ 620,6 milhões, 0,95% da receita efetiva de seus planos.
Realidade dos beneficiários de planos de saúde
Elton Fernandes chama a atenção para o impacto do reajuste do plano de saúde para os beneficiários. Em especial, o advogado destaca a situação dos consumidores que possuem planos empresariais e coletivos por adesão, que não se submetem ao índice estipulado pela a ANS. “É muito comum, por exemplo, que um plano coletivo por adesão suba 24% anualmente”, destaca.
Dos mais de 50 milhões de usuários de planos de saúde, 35 milhões possuem contratos empresariais e 6 milhões têm planos coletivos por adesão, de acordo com dados da ANS referentes a junho de 2023. Ou seja, cerca de 81% dos beneficiários estão sujeitos a reajustes anuais maiores do plano de saúde.
No entanto, o advogado Elton Fernandes explica que há situações em que estes consumidores podem recorrer à Justiça, como quando há aumentos excessivos. “O ideal é que todo consumidor contrate planos individuais ou familiares, pois no longo prazo os reajustes aplicados aos planos coletivos impedirão a permanência do consumidor. A saída para quem tem plano coletivo será a portabilidade, eventual downgrade com redução do nível de atendimento hospitalar ou, então, ação judicial que busque rever esses percentuais de reajuste. Se a Justiça rever o percentual, o beneficiário poderá, inclusive, receber o que pagou indevidamente nos últimos três anos”, explica o advogado.