Criação e autoria ainda distinguem IA dos humanos, mas por pouco tempo
No Brasil, reconhecimento legal de titularidade é para o dono da máquina. Apenas no País, investimentos no setor podem passar dos R$ 2 bilhões até o fim deste ano
Recentemente, surpreendeu o mundo todo a notícia de que a inteligência artificial (IA) teria concluído a Décima Sinfonia de Beethoven. Isso aconteceu dentro do projeto Beethoven X, iniciado em 2019, pelo professor de Ciência da Computação da Universidade de Rutgers (Estados Unidos), Ahmed Elgammal. Conforme o profissional, foi preciso ensinar à máquina todo o trabalho do músico, bem como seu processo criativo. Depois, a IA foi preenchendo as lacunas deixadas pelo compositor. Na prática, a máquina decifrou e transcreveu os esquetes musicais da Décima Sinfonia tentando entender as intenções de Beethoven.
As máquinas foram criadas para ajudar o homem nas mais diversas áreas. Mas, o que aconteceria se elas começassem a dar um passo à frente? A temática, curiosa e instigante, foi apresentada pelo doutor Marcos Wachowicz, em mais um Webinar promovido pela Associação das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação do Paraná (Assespro-PR), transmitido via YouTube. “Precisamos provocar essa discussão, afinal, estamos em um mundo globalizado, numa sociedade digital e hiperconectada, em acelerado processo de transformação, na qual essa interação homem-máquina será cada vez mais normal. O assunto é complexo e a multidimensionalidade do tema exige um cuidado de compliance legal em todo o desenvolvimento das soluções em IA, em todas as suas fases, a fim de proteger o investimento, o esforço e o desenvolvimento das soluções”, pontuou Izoulet Cortes Filho, Diretor de Projetos e Negócios Internacionais, da Assespro-PR.
De acordo com Marcos Wachowicz; professor de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR), docente no Programa de Pós-Graduação PPGD/UFPR e coordenador do Grupo de Estudos em Direito Autoral e Industrial (GEDAI/UFPR vinculado ao CNPq); amparado por estimativas da IDC, consultoria especializada em inteligência de mercado, os investimentos em IA no Brasil podem chegar a R$ 2,4 bilhões ainda neste ano. “Essa pesquisa revelou, ainda, que 25% das empresas do Brasil têm projetos baseados em IA ou machine learning, mas em estágio de adaptação ou implementação – tendo em vista que 75% desses algoritmos possuem supervisão humana”, completou. As empresas Google e Baidu gastaram cerca de 30 bilhões de dólares em aportes para IA, citou o doutor. “É um imenso mercado”.
Diante disso, entender qual é a proteção jurídica das obras criadas por IA se tornou fundamental. Afinal, embora ela seja um ramo da ciência da computação, é completamente diferente de um software (que tem tutela jurídica, por exemplo). “A IA tem uma racionalidade. Obviamente, ela precisou de uma imensa base de dados para poder chegar nesse ponto, como foi o caso da Décima Sinfonia”, aponta Marcos. “Não se trata de uma roleta de cassino. A IA produz um efeito prático determinado por aquele que o programou”.
Dentro da Lei
A Legislação brasileira se debruça em quatro grandes linhas. A primeira, é que uma obra criada por IA seria de Domínio Público. A segunda, que a titularidade seria da empresa que desenvolveu o aplicativo; a terceira, que a titularidade seria do usuário daquela IA. Já a quarta linha, trata da criação de um novo direito conexo para dar retribuição à empresa desenvolvedora.
De todo modo, vale lembrar que a Lei número 9.610/98, em seu artigo sétimo, diz que “são obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro” e, no artigo 11º, que o “o autor é a pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica”. No Brasil, portanto, a máquina não tem direito ao título de “dona” de uma ideia, por exemplo. “A jurisprudência confirma que, no País, a máquina não pode se representar em juízo caso ocorra alguma infração, logo, não poderia ser titular de um direito”, explica o doutor.
Mas, a máxima não é unânime. Em alguns países se atribui à IA a titularidade pela criação de coisas, obras e produtos. A Lei já se depara com o desafio da atribuição de direitos autorais a obras de arte, por exemplo, criadas por algoritmos, como é o caso do Reino Unido, da União Europeia e dos Estados Unidos. Estes países entendem que, na falta de um sujeito de direitos para se atribuir a autoria, as obras não podem ser tuteladas juridicamente. “Muitas questões estão para serem vistas ainda. São temas que ainda precisam de discussões mais profundas”, conclui o doutor. Até lá, humanos seguem inteligentes e, os computadores, os imitando.
Fonte: Engenharia de Comunicação