São Paulo, SP 20/5/2021 –
O trabalho do cuidado exclusivamente realizado por mulheres impacta negativamente a carreira das mães, e as empresas devem incorporar práticas organizacionais para diminuir esses danos.
Uma pesquisa do Mulheres no Comando realizada em parceria com a Mind Miners em 2020 demonstra que 52% das mulheres têm medo de engravidar e desacelerar a sua carreira e 67% das que engravidaram enquanto trabalhavam tiveram medo de ser demitidas. Esses dados denunciam o impacto da maternidade na vida profissional das mulheres, e uma das maiores causas dele é o trabalho do cuidado, que consiste nas tarefas de cuidar, cozinhar e limpar – quase exclusivamente desempenhadas por elas.
Esse é um trabalho essencial para o funcionamento da sociedade e da economia e tem ¾ de todos os esforços realizados por mulheres, que dedicam a ele 12,5 bilhões de horas, todos os dias (OXFAM). Esse trabalho não remunerado é uma contribuição de US$ 10,8 trilhões por ano à economia global – mais de três vezes o valor da indústria de tecnologia. No Brasil, 90% do trabalho de cuidado é feito pelas famílias – desses 90%, quase 85% é feito por mulheres. Um levantamento realizado em 2019 pelo IBGE destacou que as mulheres dedicavam, em média, 21 horas semanais aos afazeres domésticos, enquanto os homens dedicavam apenas 11 horas.
A cultura de destinar a elas todo esse esforço resulta no afastamento de mulheres do mercado de trabalho e na dificuldade que mães enfrentam para adquirir autonomia financeira: uma pesquisa divulgada pela Catho aponta que 30% das mulheres deixam o mercado de trabalho para cuidar dos filhos. Em 2019, o nível de ocupação profissional de mulheres sem filhos de até 3 anos era de 67,2%. Já entre as mulheres com filhos nessa faixa etária, o percentual caía para 54,6%. E é necessário ainda levar em conta a questão racial: para mulheres pretas e pardas com filhos de até 3 anos de idade, o nível de ocupação era ainda menor, de 49,7% (IBGE). Com a pandemia, além de a participação das mulheres no mercado de trabalho retroceder aos níveis de 30 anos atrás, uma em cada quatro (principalmente aquelas com filhos) considerou mudar de carreira ou deixar o mercado (McKinsey & Company).
A pesquisa do Mulheres no Comando aponta que, apesar de 69% das empresas oferecerem licença-maternidade, política essencial para garantir a segurança das mulheres em seus empregos e no cuidado, a preocupação da maioria das empresas não vai muito além disso: apenas 43% possuem políticas de desenvolvimento de mulheres para cargos de liderança e apenas 21% têm metas para promoção de mulheres. Em relação ao trabalho do cuidado, são raras as empresas que promovem ações concretas no sentido de viabilizá-lo.
Líderes e empresas são agentes de transformação social e, como tal, precisam reconhecer a importância do trabalho do cuidado, garantir a participação de mães no mercado de trabalho durante a gestação e após o parto, bem como incentivar a participação ativa dos pais e consequente divisão igualitária das tarefas do cuidado. No mês das mães, pensando em formas de ir além das propagandas de romantização da maternidade, Jéssica Paraguassu, fundadora do Mulheres no Comando, sugere iniciativas que as empresas devem tomar para melhorar esse cenário:
Criar espaços de escuta com participação ativa da liderança
Criar espaços seguros de conversa dentro da empresa é essencial. Num mercado competitivo e já muito desvantajoso para as mulheres, muitas mães não se sentem à vontade para sugerir novos formatos de trabalho e negociar mudanças a respeito e benefício delas mesmas. Pelo contrário: o medo do descrédito de seus líderes ou da demissão fazem com que elas se esforcem para passar a impressão de que a sobrecarga do trabalho do cuidado está sob controle e não impacta a sua produtividade, quando sabemos que a realidade é outra.
Reforçar e ir além das políticas de licença maternidade
O trabalho do cuidado não deve estar destinado somente às mulheres, pois isso acentua as desigualdades sociais e de gênero. Além de garantir a licença-maternidade, é preciso ampliar a licença-paternidade. Empresas precisam possibilitar que pessoas que cuidam (homens e mulheres) possam equilibrar trabalho e vida pessoal.
Assegurar jornadas de trabalho mais flexíveis
O Great Place to Work mostra que diversas empresas adotam práticas de horário flexível para profissionais que têm filhos, com jornada reduzida na primeira semana após a licença-maternidade e/ou home office na volta da licença. Mais do que criar possibilidades, é necessário criar processos que facilitem o trabalho remoto com ferramentas de gestão, equipamentos adequados e horários flexíveis.
Promover equiparação salarial e suporte financeiro
O tipo de suporte mais tradicional para quem tem filhos é o auxílio-creche, e há também as empresas que dispõem de creches no local de trabalho. É preciso que essas políticas se estendam para pais e mães, de filhos biológicos ou adotivos, para permitir um acompanhamento mais próximo de ambas as partes. Uma sugestão interessante é se inteirar sobre ações que empresas bem avaliadas vêm adotando: o Magazine Luiza, por exemplo, oferece o benefício Cheque Mãe, um depósito mensal de 250 reais para as mães investirem na educação dos filhos. Este programa reduziu em 80% as saídas voluntárias das mães que não tinham com quem deixar as crianças.
Considerar diversidade e equidade para contratação
É preciso reforçar que diversidade na contratação deixou de ser um diferencial das empresas e passou a ser um aspecto fundamental para todas elas. É essencial promover tratamento adequado e livre de preconceito para as mães e pais que cuidam, bem como para as profissionais do cuidado que, em geral, ocupam cargos de subalternidade dentro das empresas.
Atividades profissionais são necessárias para a manutenção da sociedade e, sem o trabalho do cuidado, seria impossível ter alcançado tamanhos avanços enquanto sociedade. Visibilizar o trabalho do cuidado e os impactos que sua sobrecarga gera no desenvolvimento pessoal e profissional de mulheres é uma iniciativa necessária para alcançarmos equidade de gênero no mundo corporativo. Trazer luz a essa questão, refletir coletivamente e apontar soluções para ela podem ser a chave para garantir um futuro melhor para todos.
Website: https://mulheresnocomando.com/